
Brigitte
Bardot (BB), a “única estrela que o cinema francês teve” fez 80 anos neste
domingo.
Isolada
em Saint-Tropez, França, vive a vida que diz querer viver, longe daquela que
deixou que o cinema filmasse, “Aos 80 anos vou ser diferente, acho”, disse um
dia Brigitte Bardot, nem 30 tinha, e aos 80, que se celebraram este domingo
(nasceu em 28 de setembro de 1934), “Não sou feliz, mas não sou infeliz”,
confessou no programa Un jour, une histoire, (Um dia, uma história) do canal de
televisão France 2, que lhe dedicou uma emissão especial, antecipando as
celebrações informais do aniversário.
Jean-Max
Causse, argumentista e realizador, explicou o mito BB “aquela que um dia chegou
sensual, magnífica e provocadora como um óvni na paisagem cinematográfica
francesa, mas também na sociedade, mas, “Um dia ela disse não e nós
sentimo-nos abandonados”, escreve Jean-Max Causse.
No
programa do ciclo que lhe dedica a Filmothèque du Quartier Latin, em Paris, uma
retrospectiva de 11 filmes a pretexto do aniversário da atriz e do lançamento
de um novo livro, Mes as de coeur, com perfis de figuras que se dedicaram
à causa animal, a mesma que há décadas eclipsou “o desejo de liberdade” que a
sua chegada ao cinema encarnou, Jean-Max Causse lembra que Bardot foi capaz de
“insuflar [a França] de um desejo de liberdade que anteciparia, em 12 anos, o
fim do jugo gaullista [do general Charles de Gaulle]. “Ela não era só uma
figura do cinema, era a França libertada”, insiste a mesma espectadora de
cabelos brancos, emocionada com o reencontro com “a melhor das francesas”.

Há
algo de profundamente trágico em Bardot, algo que, de um ponto de vista
racional, nos faz olhar para esta mulher e tentar perceber em que se tornou e
por que. Quando Laurent Delahousse lhe pergunta se regressou às origens e BB
diz que não percebe a pergunta, o jornalista lembra-lhe o pai conservador.
Bardot faz uma pausa e depois assume: “Sim, eu sou uma conversadora. Tem razão,
voltamos às origens".
“Com
os anos, dei-me conta da injustiça e da mediocridade humana. Percebi que o ser
humano tem defeitos insuportáveis. Acha que a sociedade evoluiu no melhor
sentido? Tenho a certeza de que não. Veja a merda em que nos encontramos. É
claro que sou conservadora."
Confrontada
com as declarações de apoio à Frente Nacional, ao arrepio de uma França que a
admira pela sua liberdade, Bardot responde, “É a imagem da França que gostaria
de ver surgir." E percorre, sem perdão, o perfil dos vários presidentes
que foi conhecendo. Não poupa nenhum, com excepção de Giscard d’Estaing, “um
amigo” que ainda hoje lhe faz a corte. Jacques Chirac é tratado como mentiroso
tal como Nicolas Sarkozy, por lhe “terem prometido muito e não terem cumprido
nada”.

Este
lado beligerante, que a fez retirar-se da vida pública, que a afastou da
televisão, que a atirou para a barra dos tribunais onde foi perdendo processo
atrás de processo, recurso atrás de recurso, face às acusações de incitamento
ao ódio e a denúncia daquilo a que chamou, no livro Un cri dans le silence
(um grito no silêncio) “a islamização da França”, é o rosto que a França hoje
encontra quando procura aquela que em tempos encarnou a República.
Foi
em 1968, o ano da revolta estudantil, que BB se viu esculpida por vontade de De
Gaulle, e, para escândalo da sua mulher, exposta em todos os estabelecimentos
públicos franceses, “Sou consciente de que deixei a minha marca”, diz para falar
da "beleza insolente, que adorava” por ser a sua. E então ri-se quando
Laurent Delahousse lhe lembra que o público também adorava essa insolência,
para depressa voltar a uma modéstia da qual só podemos desconfiar: “Nunca tive
noção do impacto que provocava. Fui sempre o que fui e quis ser. Ainda
hoje."

Questionada
sobre se recusa, a mitologia Brigitte Bardot afirma, peremptória, “não cuspir
no passado”, usando a favor da fundação que criou em 1986 a força do seu nome e
desse passado, “Não recuso nada. Sei bem que é graças a ter sido BB que cheguei
onde cheguei", deixou escrito em Brigitte après Bardot(2014).
Foi
em 1956, e bastou-lhe uma dança em cima de uma mesa rodeada por vários homens
no filme “E Deus Criou a Mulher”, realizado pelo seu primeiro marido, Roger
Vadim, para que Brigitte Bardot inaugurasse a imagem de uma mulher que já antes
entrara em filmes mas ainda não nascera como fantasia cinematográfica. É, diz
hoje, BB como Bardot gostava e ainda gosta de ser, e como nunca antes tinha
podido, “Penteada como gostava, despentada; maquilada como gostava, sem nada;
vestida como gostava, ou seja, nua”. Na altura, o realizador François Truffaut
veio em defesa da atriz nas páginas dos Cahiers du
Cinéma, dizendo que, a par de Marylin Monroe e James Dean, BB transformava
todos os outros atores em “pálidos manequins”. “Agradeço a Vadim ter dirigido a
sua jovem mulher, fazendo-a repetir gestos quotidianos em frente à câmara,
gestos insignificantes como brincar com a sua sandália ou menos insignificantes
como fazer amor em plena luz do dia, menos insignificante mas mais real!”
Bardot retribuiu-lhe o agradecimento e assim nasceu uma atriz.

“Sou como a natureza me fez. Ainda é assim,
hoje”
Ao
mesmo tempo em que era um símbolo de emancipação e de liberdade, era também a
mulher que vivia numa prisão, “uma bela prisão, mas ainda assim uma prisão”,
disse em entrevista. A primeira sequência de O Desprezo (1963), de
Jean-Luc Godard, quando nua pergunta a Michel Piccoli se gosta de todo o seu
corpo ou se prefere alguma parte em especial, faz parte da construção de um
corpo que era, na altura, o corpo que a França desejava, “Sou como a natureza
me fez. Ainda é assim, hoje”, confessa.

BB
não sabia ser Bardot, “Pertenço a todos e essa existência é-me insuportável”,
confessou nos anos 1960. A BB que o assume é a mesma que não recusa o seu papel
na construção de uma relação mal-sã com uma imprensa na altura ainda a aprender
a lidar com o impacto das estrelas de cinema, quarenta anos depois,
perguntam-lhe o que a levou a desistir e responde assim, “Quando se comem
muitos chocolates, tem-se uma indigestão. Eu tive uma indigestão de fotógrafos,
de filmes e de imagens que me perseguiram a vida toda."
“Sem remorsos nem lamentos”
Quando,
numa entrevista à beira dos 40, disse que “sem o cinema [se imaginava] serena”,
ninguém podia adivinhar que era já o anúncio do fim da carreira.
Um
dia, depois de mais uma cena de nu, disse ao seu agente que acabara, ficaram
por responder os convites para filmar nos Estados Unidos com Marlon Brando e
para ser uma das convidadas da série Dinastia, a explicação veio em
comunicado: BB “já não conseguia ver-se envelhecer”, sentia-se
desconfortável.
Hoje,
Christian Brincourt, que a conheceu no início da sua carreira, diz-se
impressionado por, 60 anos passados, “a burguesinha do 16.º bairro ainda fazer
parte dos sonhos das pessoas”, “Ela foi sempre livre e pagou muito cara essa
liberdade”, sublinha o marido, Bernard d’Ormale, figura reconhecida do
partido de extrema-direita Frente Nacional.
O
isolamento no qual vive BB, explica, deve-se “a um mundo que ela não compreende
e que se recusa a compreendê-la”, e, por isso, apesar dessa distância, e da
recusa em regressar, a mesma Bardot que vendeu o que tinha para construir uma
fundação para a defesa da causa animal responde a todas as cartas e a todos os
pedidos que invariavelmente continuam a chegar-lhe, “Vive na nostalgia de um
passado”, chega a dizer um dos seus próximos, “Num mundo próprio”, corrige o
marido, “Sem remorsos nem lamentos”, diz BB, a rapariga que, como cantou Dario
Moreno, “se não tivesse existido/ teria de ter sido inventada”.
A vida é um mistério, quem sabe o que virá a acontecer um dia? Tenho para mim que é quase como um jogo que pode ser de sorte ou de azar, de ânsia ou de sossego...tudo muda, e há sempre um destino a cumprir.
ResponderExcluirDesejo que a amiga se encontre bem.bj.