Dezembro
está a chegar, para uns o começo do Inverno, para outros o começo do Verão,
para outros a memória, e como ela é poderosa.
Aqui
há uns anos pediram-me que escrevesse sobre uma escritora de que eu já tinha
ouvido falar, já tinha lido e que, desde essas alturas o que mais tinha retido,
da pessoa em si, é que por ter adormecido na sua cama com um cigarro acesso,
provocou um incêndio que destruiu todo o seu quarto, foi hospitalizada em
estado grave, e que teve quase a mão direita amputada devido às queimaduras
sofridas.
Sabia
também que se tinha apaixonado perdidamente em jovem por um escritor, mas em
nada resultou porque ele era homossexual, e que, ao seu primeiro filho foi
diagnosticado esquizofrenia, algo do qual nunca se perdoou, como se a culpa da
doença dele, fosse toda sua.
Escreveu
em colunas femininas, tipo Correio Feminino e Só para mulheres, mas é
reconhecida mundialmente (muito mais nos meios acadêmicos) como uma das
escritoras mais influentes do sec. XX, pela sua escrita inovadora, num estilo
solto, elíptico, fragmentário, onde o caráter existencial abrange quase toda a
sua obra.
A
pergunta que desde essa altura me faço sem resposta, até que ponto a vida
influencia o autor, neste caso a autora?
Respondo
apenas que a vida, essa viagem por vezes tão curta, faz de certeza ir-se mais e
muito mais além, no caso da autora em causa “a vida sempre super exigiu de mim,
mas também sempre super exigi da vida”.
Muitos
já sabem de quem se trata, mas nada melhor que deixar a escrita falar pela
autora, completar os silêncios escondidos.
Clarice Lispector
“Antes
de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que
poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me
contar como era o amor.”
“
[...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o
mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor,
continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até
hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”
“O
que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma
pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo
impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando
consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal”.
“Sou tão misteriosa que não me entendo”.
“Através
de meus graves erros, que um dia eu talvez os possa mencionar sem me vangloriar
deles, é que cheguei a poder amar. Até esta glorificação: eu amo o Nada”.
“A
consciência de minha permanente queda me leva ao amor do Nada. E desta queda é
que começo a fazer minha vida. Com pedras ruins levanto o horror, e com horror
eu amo. Não sei o que fazer de mim, já nascida, senão isto: Tu, Deus, que eu
amo como quem cai no nada.”
“Há
três coisas para as quais eu nasci e para as quais eu dou minha vida. Nasci
para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para criar meus filhos. O
‘amar os outros’ é tão vasto que inclui até perdão para mim mesma, com o que
sobra. As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto.
Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que
faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço:
ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca [...].”
“Minha
alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem,
olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de
gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar”.
Clarice
Lispector (10 de dezembro 1920 – 9 de dezembro 1977) continuará sempre a ser um
mistério para quem a lê, embora em cada frase dê as pistas, as chaves para esse
eu tantas vezes habitado pelo outro, ou pelos tantos outros.
Um site para reler e rever
Clarice http://www.claricelispector.com.br/Default.aspx
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